quarta-feira, 1 de outubro de 2025

A ORIGEM DE TUDO – A CRIAÇÃO DA MULHER

Moisés prepara todo o cenário para posteriormente narrar a trágica queda do homem. Ele descreve o Jardim do Éden como um lugar abundante, provido e preparado por Deus para que o homem o cultivasse e cuidasse dele. Ali o homem deveria lavrar o solo, plantar, colher e, ao mesmo tempo, desfrutar de toda sorte de frutos agradáveis e apetitosos, num ambiente agradável, confortável e sem o peso do trabalho árduo ou dos espinhos (Gn 2:8-9, 15).

O Éden é apresentado como um local de plena provisão e abundância, pois dele fluíam rios que regavam a terra, símbolo da vida que procede de Deus (Gn 2:10-14). Além disso, Moisés menciona a presença de metais preciosos, como o ouro, o bdélio e a pedra ônix, indicando a riqueza e a excelência do lugar que o Senhor preparou para o homem (Gn 2:11-12).

Tudo isso revela a bondade e generosidade de Deus, que criou um ambiente perfeito para o ser humano viver em comunhão com Ele e desfrutar de suas bênçãos. Contudo, apesar de toda essa provisão divina, o homem escolheu desobedecer, resultando na queda e na entrada do pecado no mundo (Gn 3:6-7; Rm 5:12).

Moisés continua sua narrativa e apresenta como a mulher foi criada. Após colocar o homem no jardim e lhe confiar o cuidado da criação, Deus declarou:

18 ¶ Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. 

Até então, tudo o que havia sido criado era considerado por Deus como “muito bom”: a luz, a terra e os céus, as estrelas, os animais e as plantas (Gn 1:31). Porém, quando Deus viu que o homem estava só, declarou: “Não é bom que o homem esteja só”.

Ficar sozinho não é bom; o isolamento não é bom. O próprio Criador, ao perceber essa necessidade, providenciou uma companheira para Adão. Assim, Deus garantiria que o homem tivesse descendência e pudesse se multiplicar sobre a terra, conforme a ordem divina:

“Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a” (Gn 1:28).

O homem foi criado sozinho, mas deveria se multiplicar. Diferente dos anjos, que foram criados em número definido desde o princípio e não se reproduzem (Mt 22:30), o ser humano recebeu do Senhor a capacidade e a responsabilidade de gerar filhos. Dessa forma, a humanidade chegaria à medida determinada por Deus (a qual não sabemos quantos são, mas Deus em sua soberania já sabe), cumprindo o Seu propósito eterno.

19  Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles.  20  Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos; para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea.

Deus, de certa forma, prepara o homem para receber a sua mulher. O Senhor traz todos os animais até Adão e lhe dá a tarefa de nomeá-los. À primeira vista, pode parecer uma tarefa simples, mas ela já demonstra a autoridade concedida por Deus ao homem sobre os animais, pois quem dá nome exerce domínio (Gênesis 1:28).

Não podemos afirmar com precisão se Adão nomeou um a um todos os animais terrestres e aves dos céus, ou se apenas aqueles que estavam no jardim do Éden. Também não sabemos se ele deu nomes individuais a cada animal, como um cavalo específico, um macaco específico ou um papagaio em particular, ou se simplesmente os classificou conforme suas espécies, chamando-os de cavalos, bois, papagaios e assim por diante. O fato central é que essa autoridade foi concedida por Deus, e, nesse processo, o Criador estava preparando Adão para receber a sua auxiliadora.

Enquanto via os animais passarem diante de si, Adão percebia que todos tinham seus pares: o boi tinha a vaca, o macaco a macaca, o papagaio a papagaia. No entanto, nenhum deles podia ser uma auxiliadora para o homem. Todos vinham em pares, mas nenhum correspondia a ele.

Moisés mostra nesse relato que o relacionamento entre seres humanos e animais era algo contrário à natureza estabelecida por Deus, mesmo antes da Lei (Levítico 18:23; Levítico 20:15-16). Apenas pela observação da criação já seria possível compreender que nenhum animal, seja selvagem ou doméstico, poderia ser companheiro ou cônjuge do homem. Assim, Deus estava conduzindo Adão a perceber a necessidade de alguém semelhante a ele, preparando-o para receber a mulher como sua auxiliadora (Gênesis 2:18).

     21 ¶ Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne.  22  E a costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe. 

Deus cria a mulher. Ele faz Adão cair em profundo sono, e este adormece. Adão não participa desse processo criativo. O Senhor, em sua bondade e amor, não permitiu que o homem sofresse, mas o fez dormir profundamente. Isso mostra também que o homem não teve nenhuma contribuição na criação da mulher. Não foi algo pedido por ele, nem fruto de suas ideias ou sugestões. Foi Deus quem percebeu que “não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2:18) e, por iniciativa própria, criou a mulher como auxiliadora idônea.

Esse momento pode ser considerado a primeira cirurgia da história, realizada pelo próprio Criador, e com “anestesia divina”.

Um ponto muito conhecido e frequentemente citado vem de Matthew Henry, pastor e teólogo presbiteriano inglês (1662–1714). Em seu famoso Comentário Bíblico, ele escreveu:

“A mulher foi feita da costela que foi tirada do lado de Adão; não foi feita de sua cabeça para dominá-lo, nem de seus pés para ser pisada por ele, mas de seu lado, para ser igual a ele; de debaixo do braço, para ser protegida, e de perto do coração, para ser amada.” (Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible, comentário sobre Gênesis 2:21-22).

Esse pensamento resume de forma poética e profunda a relação entre homem e mulher conforme o plano de Deus: igualdade em dignidade, parceria em missão, proteção em cuidado e amor em unidade.

23  E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. 

“Então o homem disse: ‘Agora sim! Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos. Ela será chamada de mulher porque Deus a tirou do homem’” (Gênesis 2:23, NTLH).

A tradução da NTLH expressa de forma mais clara a surpresa e a alegria de Adão ao ver Eva pela primeira vez: “Agora sim, finalmente!”. Depois de observar tantos animais, nenhum se comparava a ele, nenhum poderia ser seu par ou auxiliador. Mas, ao ver Eva, Adão imediatamente reconhece nela alguém de sua mesma natureza.

As palavras de Adão aqui são consideradas o primeiro poema registrado nas Escrituras. O texto original hebraico se apresenta em forma poética, com paralelismos e ritmo, diferente da prosa narrativa que vinha sendo usada. Essa mudança de estilo indica a intensidade da emoção e a importância desse momento: é como se Adão irrompesse em cântico ao contemplar a mulher, um presente divino.

Contudo, embora Eva seja igual a Adão em natureza, “osso dos meus ossos e carne da minha carne”, ela também é diferente. Ambos foram criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27), mas o Senhor, desde o início, revela-se como o Deus da distinção: Ele separa luz das trevas (Gênesis 1:4), águas de águas (Gênesis 1:6-7), terra firme do mar (Gênesis 1:9-10), animais dos homens (Gênesis 1:24-26), o bem do mal (Gênesis 2:17), e aqui também distingue homem de mulher.

Deus não repete sua obra de maneira mecânica, mas age de forma singular em cada evento. Não houve dois mares Vermelhos se abrindo (Êxodo 14:21-22), nem duas muralhas de Jericó caindo (Josué 6:20). Cada intervenção divina é única, revelando o caráter criativo e surpreendente de Deus. Ele é sempre o mesmo em essência (Malaquias 3:6; Hebreus 13:8), mas suas manifestações são sempre novas e extraordinárias.

Assim, o surgimento de Eva não apenas completa a criação da humanidade, mas também inaugura a relação de complementaridade entre homem e mulher: iguais em dignidade e valor, distintos em identidade e função, unidos pelo propósito divino.

 

24  Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.  25  Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam.” (Gênesis 2:1-25 RA)

Esse livro, Gênesis, foi escrito por Moisés, o grande legislador e profeta de Israel. Tradicionalmente, os cinco primeiros livros da Bíblia são chamados de Pentateuco ou “a Lei” (Torá), e eram lidos e ensinados continuamente no meio do povo de Israel (Neemias 8:1-3; Lucas 4:16-17). Moisés provavelmente escreveu o Gênesis durante os 40 anos em que os israelitas peregrinaram no deserto (cerca de 1446–1406 a.C.).

Quando Moisés registra essas palavras, é como se estivesse diante do povo, explicando a origem do casamento. Ele faz uma pausa após narrar a criação do homem e da mulher e afirma: “Por isso...”, isto é, com base no que Deus havia estabelecido desde o princípio.

O casamento não nasceu de convenções humanas ou de tradições culturais, mas do próprio propósito divino na criação. Antes de qualquer sistema religioso, antes mesmo da lei, e até antes da queda pelo pecado, Deus estabeleceu um padrão universal para a humanidade. Esse padrão não é restrito apenas aos cristãos, mas é a base para toda a sociedade: um lar formado por homem e mulher, pai e mãe, varão e varoa (Gênesis 1:27-28; 2:24).

Quando esse princípio é rejeitado, a estrutura da família se fragiliza, a sociedade adoece e caminha para a desordem e até para a autodestruição (Romanos 1:26-32). Mas, quando a família é edificada segundo o padrão de Deus, ela se torna fonte de vida, estabilidade e bênção para as próximas gerações (Salmos 128:1-4).

Não à toa, o inimigo, mais do que nunca, luta contra a família, pois sabe que ela é a instituição mais importante da sociedade, mais fundamental até do que governos ou qualquer outra estrutura terrena. Um lar harmonioso, no qual homem e mulher criam seus filhos nos princípios verdadeiros e eternos da Palavra de Deus, é o maior testemunho contra as trevas e a maior garantia de que a fé será transmitida de geração em geração (Deuteronômio 6:6-7; Efésios 6:4).

Os israelitas haviam passado mais de 400 anos no Egito (Êxodo 12:40-41), onde foram expostos a práticas distorcidas e pecaminosas: relações sexuais com animais (Levítico 18:23), homossexualidade (Levítico 18:22; Romanos 1:26-27), poligamia (Gênesis 16:1-4; 29:30), adultério (Êxodo 20:14) e muitas outras corrupções. Moisés precisava relembrar ao povo o padrão correto: um homem e uma mulher, unidos por Deus, formando uma só carne.

Esse ensinamento se tornou o fundamento para tudo o que a Bíblia fala depois sobre o casamento. Jesus retomou esse texto ao ensinar que o casamento é uma união que não deve ser desfeita:

“Assim não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem” (Mateus 19:5-6).

O apóstolo Paulo também fez referência a essa passagem para ensinar sobre o relacionamento entre marido e esposa:

“Por isso, deixa o homem seu pai e sua mãe e se une à sua mulher, e se tornam os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja” (Efésios 5:31-32).

Portanto, a autoridade do marido e a submissão da esposa (Efésios 5:22-25; 1 Coríntios 11:3) não são costumes culturais passageiros, mas refletem a ordem estabelecida por Deus desde a criação.

O significado de “uma só carne”

O homem, ao deixar pai e mãe, passa a priorizar sua nova família. Isso implica:

  • mudança de prioridade: sua principal responsabilidade agora é sua esposa e sua casa (1 Timóteo 5:8);
  • intimidade compartilhada: não apenas física, mas também emocional, espiritual e existencial;
  • companheirismo: a mulher foi criada como “auxiliadora idônea” (Gênesis 2:18);
  • harmonia: juntos devem viver em unidade, refletindo a própria relação entre Cristo e a Igreja (Efésios 5:25-28).

“Estavam nus e não se envergonhavam”

A nudez, antes da queda, simbolizava a pureza da relação entre marido e esposa. Não havia medo, culpa, punição ou vergonha, pois o pecado ainda não havia entrado no mundo (Gênesis 3:7-10). Essa condição mostra:

  • transparência plena: nada a esconder entre si;
  • inocência: a sexualidade era vista como algo santo e natural, não como motivo de vergonha;
  • confiança: a relação conjugal não estava contaminada pela desconfiança ou desejo egoísta.

A nudez, portanto, é um dom divino reservado ao casamento. Fora dele, ela é distorcida e exposta à lascívia e ao pecado (Levítico 18:6-18; Hebreus 13:4). Dentro do matrimônio, porém, é expressão de amor, entrega e unidade.

A nudez no Éden e a restauração em Cristo

Antes da queda, Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam (Gênesis 2:25). Isso simbolizava pureza, transparência e ausência de culpa diante de Deus e um do outro. No entanto, após o pecado, a percepção mudou:

“Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si” (Gênesis 3:7).

A nudez, que antes era sinal de inocência, passou a ser associada à vergonha e à exposição da culpa. Por isso, Deus mesmo providenciou vestes de pele para cobri-los (Gênesis 3:21), o que já apontava para o sacrifício que seria necessário para restaurar a humanidade.

Esse tema percorre toda a Bíblia. A nudez, no sentido espiritual, representa o estado de pecado e vergonha (Ezequiel 16:36; Apocalipse 3:17). Por outro lado, a veste simboliza a justiça e a cobertura de Deus.

Em Cristo, o homem recebe novamente uma cobertura, mas agora perfeita e eterna:

  • “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes” (Gálatas 3:27).
  • “E vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Efésios 4:24).
  • “Revestistes o novo homem, que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3:10).

No final da história, a restauração plena aparece em Apocalipse:

“Pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro, porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos” (Apocalipse 19:8).

Assim, o que se perdeu no Éden é restaurado em Cristo: a vergonha causada pelo pecado é substituída pela cobertura da graça. Em vez de folhas de figueira, temos as vestes de justiça concedidas pelo Cordeiro de Deus (Isaías 61:10; João 1:29).

Portanto, a frase “estavam nus e não se envergonhavam” não aponta apenas para a relação conjugal ideal, mas também para o estado original de santidade do ser humano, que só é plenamente recuperado quando somos revestidos em Cristo.

 

Pontos de Aplicação – A Criação da Mulher (Gn 2:18-25)

1º – O ser humano é distinto dos animais

  • O homem não é fruto de evolução, mas criação direta de Deus (Gn 1:27).
  • Deus concedeu ao homem singularidade, inclusive a capacidade de compor poesia (Gn 2:23).
  • Deus é o Deus da distinção: homem e mulher são iguais em valor, mas diferentes em identidade e função (1Co 11:11-12).

2º – O casamento não é convenção social ou cultural

  • O matrimônio é anterior à religião, à lei e até à queda do homem.
  • Deus estabeleceu o casamento como monogâmico e heterossexual (Gn 2:24; Mt 19:4-6).
  • Portanto, não depende da cultura ou da época, mas é um padrão divino permanente.

3º – O casamento é o padrão de Deus para a humanidade
Finalidades do casamento segundo a Bíblia:

1.    Auxílio mútuo – companheirismo e apoio (Gn 2:18).

2.    Deleite e prazer – alegria da intimidade conjugal (Pv 5:18-19; Ct 4:9-10).

3.    Procriação – multiplicação da raça humana (Gn 1:28).

4.    Continuidade da fé – transmissão da aliança às próximas gerações (Dt 6:6-7; Sl 78:5-7).

5.    Proteção contra a impureza sexual (1Co 7:2).

6.    Reflexo da união de Cristo e da Igreja (Ef 5:31-32).

Obs.: O celibato também é digno diante de Deus quando é puro e consagrado a Ele (1Co 7:7-8), mas não é desculpa para fornicação.

4º – Fundamento bíblico para os papéis do homem e da mulher

  • A ordem da criação mostra princípios para o relacionamento conjugal:
    • O homem foi criado primeiro e recebeu autoridade (1Co 11:3; 1Tm 2:13).
    • A mulher foi criada como auxiliadora idônea, em dignidade igual, mas com papel distinto (Gn 2:18; Ef 5:22-25).
  • Sexo é bênção divina para ser desfrutada dentro do casamento (Hb 13:4).
  • A identidade sexual é biológica e definida por Deus, não por ideologias humanas (Gn 1:27).
  • A crise atual da sociedade vem do abandono do referencial divino e da rejeição da Palavra de Deus (Rm 1:26-28).