Moisés prepara todo o cenário para posteriormente narrar a
trágica queda do homem. Ele descreve o Jardim do Éden como um lugar abundante,
provido e preparado por Deus para que o homem o cultivasse e cuidasse dele. Ali
o homem deveria lavrar o solo, plantar, colher e, ao mesmo tempo, desfrutar de
toda sorte de frutos agradáveis e apetitosos, num ambiente agradável,
confortável e sem o peso do trabalho árduo ou dos espinhos (Gn
2:8-9, 15).
O Éden é apresentado como um local de plena provisão e
abundância, pois dele fluíam rios que regavam a terra, símbolo da vida que
procede de Deus (Gn 2:10-14). Além
disso, Moisés menciona a presença de metais preciosos, como o ouro, o bdélio e
a pedra ônix, indicando a riqueza e a excelência do lugar que o Senhor preparou
para o homem (Gn 2:11-12).
Tudo isso revela a bondade e generosidade de Deus, que criou um
ambiente perfeito para o ser humano viver em comunhão com Ele e desfrutar de
suas bênçãos. Contudo, apesar de toda essa provisão divina, o homem escolheu
desobedecer, resultando na queda e na entrada do pecado no mundo (Gn
3:6-7; Rm 5:12).
Moisés continua sua narrativa e apresenta como a mulher foi
criada. Após colocar o homem no jardim e lhe confiar o cuidado da criação, Deus
declarou:
18 ¶
Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma
auxiliadora que lhe seja idônea.
Até então, tudo o que havia sido criado era considerado por Deus
como “muito bom”: a luz, a terra e os céus, as estrelas, os animais e as
plantas (Gn 1:31). Porém, quando Deus
viu que o homem estava só, declarou: “Não é bom que o homem esteja só”.
Ficar sozinho não é bom; o isolamento não é bom. O próprio
Criador, ao perceber essa necessidade, providenciou uma companheira para Adão.
Assim, Deus garantiria que o homem tivesse descendência e pudesse se
multiplicar sobre a terra, conforme a ordem divina:
“Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a
terra e sujeitai-a” (Gn 1:28).
O homem foi criado sozinho, mas deveria se multiplicar.
Diferente dos anjos, que foram criados em número definido desde o princípio e
não se reproduzem (Mt 22:30), o ser humano recebeu do Senhor a capacidade e a
responsabilidade de gerar filhos. Dessa forma, a humanidade chegaria à medida
determinada por Deus (a qual não sabemos quantos são, mas Deus em sua soberania
já sabe), cumprindo o Seu propósito eterno.
19 Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra
todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para
ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres
viventes, esse seria o nome deles.
20 Deu nome o homem a todos os
animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos; para o
homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea.
Deus, de certa forma, prepara o homem para receber a sua mulher.
O Senhor traz todos os animais até Adão e lhe dá a tarefa de nomeá-los. À
primeira vista, pode parecer uma tarefa simples, mas ela já demonstra a
autoridade concedida por Deus ao homem sobre os animais, pois quem dá nome
exerce domínio (Gênesis 1:28).
Não podemos afirmar com precisão se Adão nomeou um a um todos os
animais terrestres e aves dos céus, ou se apenas aqueles que estavam no jardim
do Éden. Também não sabemos se ele deu nomes individuais a cada animal, como um
cavalo específico, um macaco específico ou um papagaio em particular, ou se
simplesmente os classificou conforme suas espécies, chamando-os de cavalos,
bois, papagaios e assim por diante. O fato central é que essa autoridade foi
concedida por Deus, e, nesse processo, o Criador estava preparando Adão para
receber a sua auxiliadora.
Enquanto via os animais passarem diante de si, Adão percebia que
todos tinham seus pares: o boi tinha a vaca, o macaco a macaca, o papagaio a
papagaia. No entanto, nenhum deles podia ser uma auxiliadora para o homem.
Todos vinham em pares, mas nenhum correspondia a ele.
Moisés mostra nesse relato que o relacionamento entre seres
humanos e animais era algo contrário à natureza estabelecida por Deus, mesmo
antes da Lei (Levítico 18:23; Levítico 20:15-16). Apenas pela observação da criação já seria possível
compreender que nenhum animal, seja selvagem ou doméstico, poderia ser
companheiro ou cônjuge do homem. Assim, Deus estava conduzindo Adão a perceber
a necessidade de alguém semelhante a ele, preparando-o para receber a mulher
como sua auxiliadora (Gênesis 2:18).
21 ¶ Então, o SENHOR Deus fez cair pesado
sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o
lugar com carne. 22 E a costela que o SENHOR Deus tomara ao
homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe.
Deus cria a mulher. Ele faz Adão cair em profundo sono, e este
adormece. Adão não participa desse processo criativo. O Senhor, em sua bondade
e amor, não permitiu que o homem sofresse, mas o fez dormir profundamente. Isso
mostra também que o homem não teve nenhuma contribuição na criação da mulher.
Não foi algo pedido por ele, nem fruto de suas ideias ou sugestões. Foi Deus
quem percebeu que “não é bom que o homem esteja só” (Gênesis
2:18) e, por iniciativa própria, criou a mulher
como auxiliadora idônea.
Esse momento pode ser considerado a primeira cirurgia da
história, realizada pelo próprio Criador, e com “anestesia divina”.
Um ponto muito conhecido e frequentemente citado vem de Matthew
Henry, pastor e teólogo presbiteriano inglês (1662–1714). Em seu famoso Comentário
Bíblico, ele escreveu:
“A
mulher foi feita da costela que foi tirada do lado de Adão; não foi feita de
sua cabeça para dominá-lo, nem de seus pés para ser pisada por ele, mas de seu
lado, para ser igual a ele; de debaixo do braço, para ser protegida, e de perto
do coração, para ser amada.” (Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible,
comentário sobre Gênesis 2:21-22).
Esse pensamento resume de forma poética e profunda a relação
entre homem e mulher conforme o plano de Deus: igualdade em dignidade, parceria
em missão, proteção em cuidado e amor em unidade.
23 E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos
meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi
tomada.
“Então
o homem disse: ‘Agora sim! Esta é carne da minha carne e osso dos meus ossos.
Ela será chamada de mulher porque Deus a tirou do homem’” (Gênesis 2:23, NTLH).
A tradução da NTLH expressa de forma mais clara a surpresa e a
alegria de Adão ao ver Eva pela primeira vez: “Agora sim, finalmente!”. Depois
de observar tantos animais, nenhum se comparava a ele, nenhum poderia ser seu
par ou auxiliador. Mas, ao ver Eva, Adão imediatamente reconhece nela alguém de
sua mesma natureza.
As palavras de Adão aqui são consideradas o primeiro poema
registrado nas Escrituras. O texto original hebraico se apresenta em forma
poética, com paralelismos e ritmo, diferente da prosa narrativa que vinha sendo
usada. Essa mudança de estilo indica a intensidade da emoção e a importância
desse momento: é como se Adão irrompesse em cântico ao contemplar a mulher, um
presente divino.
Contudo, embora Eva seja igual a Adão em natureza, “osso dos
meus ossos e carne da minha carne”, ela também é diferente. Ambos foram criados
à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27),
mas o Senhor, desde o início, revela-se como o Deus da distinção: Ele
separa luz das trevas (Gênesis 1:4), águas
de águas (Gênesis 1:6-7), terra firme do mar
(Gênesis 1:9-10), animais dos homens (Gênesis
1:24-26), o bem do mal (Gênesis 2:17), e aqui também distingue homem de mulher.
Deus não repete sua obra de maneira mecânica, mas age de forma
singular em cada evento. Não houve dois mares Vermelhos se abrindo (Êxodo
14:21-22), nem duas muralhas de Jericó caindo (Josué
6:20). Cada intervenção divina é única, revelando o
caráter criativo e surpreendente de Deus. Ele é sempre o mesmo em essência (Malaquias
3:6; Hebreus 13:8), mas suas manifestações são
sempre novas e extraordinárias.
Assim, o surgimento de Eva não apenas completa a criação da
humanidade, mas também inaugura a relação de complementaridade entre homem e
mulher: iguais em dignidade e valor, distintos em identidade e função, unidos
pelo propósito divino.
24 Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à
sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.
25 Ora, um e outro, o homem e sua
mulher, estavam nus e não se envergonhavam.” (Gênesis 2:1-25 RA)
Esse livro, Gênesis, foi escrito por Moisés, o grande
legislador e profeta de Israel. Tradicionalmente, os cinco primeiros livros da
Bíblia são chamados de Pentateuco ou “a Lei” (Torá), e eram lidos
e ensinados continuamente no meio do povo de Israel (Neemias
8:1-3; Lucas 4:16-17). Moisés
provavelmente escreveu o Gênesis durante os 40 anos em que os israelitas
peregrinaram no deserto (cerca de 1446–1406 a.C.).
Quando Moisés registra essas palavras, é como se estivesse
diante do povo, explicando a origem do casamento. Ele faz uma pausa após narrar
a criação do homem e da mulher e afirma: “Por isso...”, isto é, com base
no que Deus havia estabelecido desde o princípio.
O casamento não nasceu de convenções humanas ou de tradições
culturais, mas do próprio propósito divino na criação. Antes de qualquer
sistema religioso, antes mesmo da lei, e até antes da queda pelo pecado, Deus
estabeleceu um padrão universal para a humanidade. Esse padrão não é
restrito apenas aos cristãos, mas é a base para toda a sociedade: um lar
formado por homem e mulher, pai e mãe, varão e varoa (Gênesis
1:27-28; 2:24).
Quando esse princípio é rejeitado, a estrutura da família se
fragiliza, a sociedade adoece e caminha para a desordem e até para a
autodestruição (Romanos 1:26-32). Mas, quando a família é edificada segundo o padrão de Deus,
ela se torna fonte de vida, estabilidade e bênção para as próximas gerações (Salmos
128:1-4).
Não à toa, o inimigo, mais do que nunca, luta contra a família,
pois sabe que ela é a instituição mais importante da sociedade, mais
fundamental até do que governos ou qualquer outra estrutura terrena. Um lar
harmonioso, no qual homem e mulher criam seus filhos nos princípios
verdadeiros e eternos da Palavra de Deus, é o maior testemunho contra as
trevas e a maior garantia de que a fé será transmitida de geração em geração (Deuteronômio
6:6-7; Efésios 6:4).
Os israelitas haviam passado mais de 400 anos no Egito (Êxodo
12:40-41), onde foram expostos a práticas distorcidas
e pecaminosas: relações sexuais com animais (Levítico 18:23), homossexualidade (Levítico 18:22; Romanos
1:26-27), poligamia (Gênesis
16:1-4; 29:30), adultério (Êxodo
20:14) e muitas outras corrupções. Moisés
precisava relembrar ao povo o padrão correto: um homem e uma mulher, unidos
por Deus, formando uma só carne.
Esse ensinamento se tornou o fundamento para tudo o que a Bíblia
fala depois sobre o casamento. Jesus retomou esse texto ao ensinar que o
casamento é uma união que não deve ser desfeita:
“Assim
não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe
o homem” (Mateus 19:5-6).
O apóstolo Paulo também fez referência a essa passagem para
ensinar sobre o relacionamento entre marido e esposa:
“Por
isso, deixa o homem seu pai e sua mãe e se une à sua mulher, e se tornam os
dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à
igreja” (Efésios 5:31-32).
Portanto, a autoridade do marido e a submissão da esposa (Efésios
5:22-25; 1 Coríntios 11:3) não são costumes culturais
passageiros, mas refletem a ordem estabelecida por Deus desde a criação.
O significado de “uma só carne”
O homem, ao deixar pai e mãe, passa a priorizar sua nova
família. Isso implica:
- mudança de prioridade:
sua principal responsabilidade agora é sua esposa e sua casa (1 Timóteo 5:8);
- intimidade compartilhada:
não apenas física, mas também emocional, espiritual e existencial;
- companheirismo: a mulher foi criada
como “auxiliadora idônea” (Gênesis
2:18);
- harmonia: juntos devem viver em
unidade, refletindo a própria relação entre Cristo e a Igreja (Efésios 5:25-28).
“Estavam nus e não se envergonhavam”
A nudez, antes da queda, simbolizava a pureza da relação entre
marido e esposa. Não havia medo, culpa, punição ou vergonha, pois o pecado
ainda não havia entrado no mundo (Gênesis 3:7-10). Essa condição mostra:
- transparência plena: nada a esconder
entre si;
- inocência: a sexualidade era vista
como algo santo e natural, não como motivo de vergonha;
- confiança: a relação conjugal não
estava contaminada pela desconfiança ou desejo egoísta.
A nudez, portanto, é um dom divino reservado ao casamento.
Fora dele, ela é distorcida e exposta à lascívia e ao pecado (Levítico
18:6-18; Hebreus 13:4). Dentro do matrimônio, porém, é
expressão de amor, entrega e unidade.
A nudez no Éden e a restauração em Cristo
Antes da queda, Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam (Gênesis
2:25). Isso simbolizava pureza, transparência e ausência de culpa
diante de Deus e um do outro. No entanto, após o pecado, a percepção mudou:
“Abriram-se,
então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de
figueira e fizeram cintas para si” (Gênesis 3:7).
A nudez, que antes era sinal de inocência, passou a ser
associada à vergonha e à exposição da culpa. Por isso, Deus mesmo
providenciou vestes de pele para cobri-los (Gênesis 3:21), o que já apontava para o sacrifício que seria necessário para
restaurar a humanidade.
Esse tema percorre toda a Bíblia. A nudez, no sentido
espiritual, representa o estado de pecado e vergonha (Ezequiel
16:36; Apocalipse 3:17). Por outro lado, a veste
simboliza a justiça e a cobertura de Deus.
Em Cristo, o homem recebe novamente uma cobertura, mas agora
perfeita e eterna:
- “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo de
Cristo vos revestistes” (Gálatas
3:27).
- “E vos revistais do novo homem, criado segundo Deus,
em justiça e retidão procedentes da verdade” (Efésios 4:24).
- “Revestistes o novo homem, que se refaz para o pleno
conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Colossenses 3:10).
No final da história, a restauração plena aparece em Apocalipse:
“Pois
lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro, porque o
linho finíssimo são os atos de justiça dos santos” (Apocalipse 19:8).
Assim, o que se perdeu no Éden é restaurado em Cristo: a
vergonha causada pelo pecado é substituída pela cobertura da graça. Em
vez de folhas de figueira, temos as vestes de justiça concedidas pelo Cordeiro
de Deus (Isaías 61:10; João 1:29).
Portanto, a frase “estavam nus e não se envergonhavam”
não aponta apenas para a relação conjugal ideal, mas também para o estado
original de santidade do ser humano, que só é plenamente recuperado quando
somos revestidos em Cristo.
Pontos
de Aplicação – A Criação da Mulher (Gn 2:18-25)
1º – O
ser humano é distinto dos animais
- O
homem não é fruto de evolução, mas criação direta de Deus (Gn 1:27).
- Deus
concedeu ao homem singularidade, inclusive a capacidade de compor poesia
(Gn 2:23).
- Deus
é o Deus da distinção: homem e mulher são iguais em valor, mas diferentes
em identidade e função (1Co 11:11-12).
2º – O
casamento não é convenção social ou cultural
- O
matrimônio é anterior à religião, à lei e até à queda do homem.
- Deus
estabeleceu o casamento como monogâmico e heterossexual (Gn 2:24; Mt
19:4-6).
- Portanto,
não depende da cultura ou da época, mas é um padrão divino permanente.
3º – O
casamento é o padrão de Deus para a humanidade
Finalidades do casamento segundo a Bíblia:
1. Auxílio
mútuo – companheirismo e apoio (Gn 2:18).
2. Deleite
e prazer – alegria da intimidade conjugal (Pv 5:18-19; Ct 4:9-10).
3. Procriação –
multiplicação da raça humana (Gn 1:28).
4. Continuidade
da fé – transmissão da aliança às próximas gerações (Dt 6:6-7;
Sl 78:5-7).
5. Proteção
contra a impureza sexual (1Co 7:2).
6. Reflexo
da união de Cristo e da Igreja (Ef 5:31-32).
Obs.:
O celibato também é digno diante de Deus quando é puro e consagrado a Ele (1Co
7:7-8), mas não é desculpa para fornicação.
4º –
Fundamento bíblico para os papéis do homem e da mulher
- A
ordem da criação mostra princípios para o relacionamento conjugal:
- O
homem foi criado primeiro e recebeu autoridade (1Co 11:3; 1Tm 2:13).
- A
mulher foi criada como auxiliadora idônea, em dignidade igual, mas com
papel distinto (Gn 2:18; Ef 5:22-25).
- Sexo
é bênção divina para ser desfrutada dentro do casamento (Hb 13:4).
- A
identidade sexual é biológica e definida por Deus, não por ideologias
humanas (Gn 1:27).
- A
crise atual da sociedade vem do abandono do referencial divino e da
rejeição da Palavra de Deus (Rm 1:26-28).