segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Do Jardim À Manjedoura: A Esperança Do Salvador

Introdução

O Natal não começa em Belém. Ele nasce no início da história bíblica, quando o pecado rompe a comunhão entre Deus e o homem, mas, no mesmo momento, Deus acende uma chama de esperança. A Bíblia apresenta o Natal como o cumprimento de uma promessa antiga, aguardada por gerações, carregada de expectativa, dor, fé e esperança.

Este estudo percorre essa história, preparando o coração para sentir a mesma alegria que ecoou no céu quando os anjos anunciaram aos pastores o nascimento de Jesus.

1. A promessa surge no início de tudo

Logo após a queda, Deus não abandona o ser humano à própria culpa. Em meio ao juízo, surge a promessa de redenção. O chamado protoevangelho anuncia que um descendente da mulher pisaria a cabeça da serpente, ainda que fosse ferido no processo (Gn 3:15). Aqui nasce a esperança: o mal não venceria para sempre.

Desde esse momento, a história passa a caminhar em direção a um Redentor prometido.

2. A promessa preservada nas alianças

Com Noé, Deus reafirma que a história não terminaria em destruição (Gn 9:8–17). Com Abraão, a promessa ganha contornos mais claros: por meio de sua descendência, todas as famílias da terra seriam abençoadas (Gn 12:3; 22:18). O povo começa a aprender que a salvação teria alcance universal.

Em Jacó, a promessa aponta para um governante que viria da tribo de Judá (Gn 49:10). Com Moisés, o povo passa a aguardar um profeta semelhante a ele, levantado pelo próprio Deus (Dt 18:15). Ainda nesse contexto, surge a profecia de uma figura real e poderosa, descrita como uma estrela que surgiria para governar (Nm 24:17).

3. A esperança em meio à espera e ao sofrimento

A experiência do povo de Israel foi marcada por escravidão, peregrinação, guerras, exílios e restaurações. Em cada fase, a promessa de um Salvador sustentava a fé coletiva.

Nos Salmos, a espera se transforma em clamor e confiança. O rei ungido do Senhor governaria com justiça e traria libertação aos aflitos (Sl 2:7–12; Sl 72:1–14).

O livro de oração e louvor de Israel revela o paradoxo do Messias:

  • O Rei Glorioso: o Salmo 110 descreve o Messias como Sacerdote-Rei eterno, assentado à direita de Deus (Sl 110).
  • O Servo Sofredor: o Salmo 22 descreve, com impressionante precisão, a agonia da crucificação, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”, séculos antes desse método de execução existir (pés e mãos transpassados em alusão a crucificação (Sl 22:16)).

Nos livros históricos, mesmo quando os reis falham, cresce a expectativa por um descendente de Davi cujo reino não teria fim (2 Sm 7:12–16).

4. Os profetas e a intensificação da esperança

Os profetas deram voz à dor e à esperança do povo. Isaías anunciou um menino que nasceria, um filho que seria dado, trazendo sobre si o governo e a paz sem fim (Is 9:6–7). Ele também descreveu o Servo Sofredor que levaria sobre si o pecado de muitos (Is 53:4–6).

Isaías também profetizou o nascimento virginal do Messias:

“Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel” (Is 7:14).

Miquéias revelou que o governante de Israel viria de Belém, pequena entre as cidades de Judá (Mq 5:2). Jeremias falou de um Renovo justo da casa de Davi (Jr 23:5–6). Zacarias anunciou um rei humilde, que entraria em Jerusalém montado em jumento (Zc 9:9).

A cada profecia, o coração do povo aprendia a esperar.

5. O silêncio que amadureceu a expectativa

Após o profeta Malaquias, a voz profética silenciou-se por cerca de 400 anos. Esse período, conhecido como intertestamentário, foi marcado por opressão política, primeiro sob o domínio grego e depois romano, e por um intenso anseio pelo Messias.

O que o povo sentia?

1.    Frustração: a glória dos dias de Davi havia desaparecido; Israel era um povo subjugado.

2.    Fidelidade: um remanescente fiel, como Simeão e Ana, agarrava-se às promessas, aguardando a “consolação de Israel” (Lc 2:25; 2:38).

3.    Desespero: muitos perderam a esperança, buscando soluções políticas ou conformando-se a uma religiosidade vazia.

O peso dessa espera torna o evento do Natal ainda mais poderoso. A promessa de Gênesis 3:15, transmitida de geração em geração, estava prestes a se cumprir. O silêncio seria quebrado.

Essa espera não era apenas teológica, mas profundamente emocional: esperança misturada com dor, fé temperada pela perseverança.

6. O céu rompe o silêncio: o nascimento do salvador

Quando Jesus nasce, o céu anuncia aquilo que a terra aguardava havia séculos. Aos pastores, homens simples e atentos na noite, os anjos proclamam:

“É que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2:11).

O nascimento de Jesus não foi apenas um evento histórico; foi a intervenção divina que encerrou a longa espera. Os pastores, figuras simples e marginalizadas, foram os primeiros a receber a notícia:

“Não temais; eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo” (Lc 2:10–11).

A palavra-chave é grande alegria. Essa alegria era a soma de todos os séculos de espera, a resposta a todas as profecias, o fim de todo anseio.

O cântico dos anjos

Imediatamente, uma multidão da milícia celestial se juntou ao anjo, cantando:

“Glória a Deus nas alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem” (Lc 2:14).

O cântico angelical celebra:

  • A glória de Deus: o plano eterno de redenção estava em pleno cumprimento.
  • A paz na terra: o Príncipe da Paz, anunciado por Isaías, havia chegado.
  • A boa vontade de Deus: a misericórdia divina alcançava a humanidade.

7. Do coração que espera ao coração que se alegra

O Natal nos convida a caminhar pela mesma estrada da esperança. Assim como os antigos aguardaram, somos chamados a lembrar que Deus cumpre suas promessas no tempo certo. A alegria dos anjos nasce da fidelidade divina revelada na história.

Celebrar o Natal é lembrar que a esperança não decepciona, porque Deus entrou na nossa história.

Reflexão final

A Bíblia inteira aponta para Cristo. Nem todos os livros do Antigo Testamento apresentam profecias diretas e explícitas sobre o Messias, mas todos carregam o tema da esperança, da redenção, do governo de Deus e da restauração final. A promessa do Salvador atravessa a Lei, os Profetas e os Escritos, formando um coro silencioso que culmina no anúncio angelical em Belém.

O propósito de revisitar a história da promessa é nos conectar com a profundidade do Natal. A alegria dos anjos e dos pastores não era apenas por um evento novo, mas pela realização de tudo o que Deus havia dito.

Ao celebrarmos o Natal, somos convidados a sentir essa mesma alegria: a alegria de saber que o Salvador prometido, o descendente da mulher, o Rei da casa de Davi, o Emanuel, o Servo Sofredor, nasceu. A esperança de Israel é a nossa esperança, e o cumprimento da promessa é a nossa salvação.

Que a nossa celebração seja um eco do cântico celestial:

Glória a Deus nas alturas!

 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

EFÉSIOS 2:1-10

No primeiro capítulo de Efésios, Paulo descreve o plano de Deus, estabelecido desde a fundação do mundo, para eleger o seu povo (Ef 1:4). Também lembramos a razão pela qual Paulo escreve essa carta: a igreja de Éfeso havia dado um bom testemunho, e Paulo ficou sabendo disso; porém, ele também tomou conhecimento de que os irmãos estavam desanimados e aflitos por causa de sua prisão, como o próprio apóstolo reconhece mais adiante (Ef 3:1; Ef 3:13). Isso causou abatimento entre os crentes que viviam sob perseguição dos judeus. Paulo fora preso por pregar aos gentios, o que provocou oposição dos seus próprios conterrâneos (At 22:21-22).

Ainda assim, Paulo mostra desde o início da carta que, apesar das circunstâncias parecerem desfavoráveis, há um plano divino em ação. Nada surpreende a Deus, nem O faz recorrer a um “plano B”. Desde a eternidade, Deus escolheu um povo, predestinou esse povo, enviou Jesus Cristo para resgatá-lo, e enviou o Espírito Santo para selá-lo e cuidar dele (Ef 1:4-5; Ef 1:7; Ef 1:13-14). Nada foge ao controle de Deus.

A prisão de Paulo, que aos olhos humanos parecia ser o fim do avanço daquela igreja, na verdade, foi um meio que Deus permitiu para que o apóstolo alcançasse muito mais pessoas do que alcançaria se estivesse livre. Milhares ao longo dos séculos foram convertidos por meio das cartas que Paulo escreveu enquanto estava preso (Fp 1:12-14). Isso também nos faz refletir: muitas situações do passado que nos entristeceram tornaram-se, com o tempo, motivos de louvor. Aquilo que antes não compreendíamos, hoje reconhecemos que foi o melhor. E, se ainda não conseguimos entender determinado acontecimento, é preciso paciência e fé: no tempo certo, Deus pode nos mostrar como nada escapa à Sua vontade. Descanse nele, não se atormente pelo passado. Siga em frente, confiando que Deus trará consolo e a certeza de que tudo está sob o Seu controle (Rm 8:28).

Assim, após falar sobre a eleição e a predestinação do povo escolhido, e depois de orar para que os olhos do coração dos irmãos fossem iluminados para conhecerem a Deus profundamente e não de maneira superficial (Ef 1:17-18), Paulo inicia o capítulo 2 apresentando o tema da graça.

“1 ¶ Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2  nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3  entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.

Antes de anunciar a boa notícia da graça, Paulo apresenta a má notícia. Isso é essencial, porque o evangelho, que significa boa nova, só é “boa notícia” porque havia uma má notícia a nosso respeito. Funciona como em situações do dia a dia: levamos o carro ao mecânico temendo um problema grave, mas ele nos dá a boa notícia de que é algo simples. Ou alguém que enfrentou um câncer, fez exames, e o médico anunciou a cura. A boa notícia só existe porque houve antes uma má notícia.

Assim é o evangelho: só há graça porque estávamos perdidos; só há vida porque estávamos mortos (Rm 6:23). E Paulo deixa clara essa condição: estávamos em um estado do qual jamais poderíamos sair por nós mesmos.

Paulo não inicia sua explicação bajulando as pessoas. Ele não diz o quanto elas são fortes, corajosas, bonitas, capazes ou cheias de potencial, como muitas pregações modernas fazem. Assim como todos os apóstolos da igreja primitiva, ele começa falando da graça expondo a má notícia:

éramos pecadores, mortos em nossos pecados, filhos da desobediência, escravos da carne e, por natureza, filhos da ira (Ef 2:3, RA).

Não nascemos filhos de Deus; nascemos filhos da ira, e posteriormente somos adotados por Deus mediante Cristo (Ef 1:5).

 

“estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2:1, RA)

Imagine um funeral: um pai de família está sendo velado, deitado no caixão. Amigos tocam seu rosto, filhos o abraçam, as lágrimas da esposa caem sobre ele, mas ele não sente nada. Não ouve, não vê, não responde, porque está morto.

Paulo usa essa linguagem para mostrar a condição espiritual do homem sem Deus:

morto em seus pecados (Cl 2:13, RA).

O morto não sente Deus, não escuta Deus, não enxerga Deus, não busca Deus (Rm 3:10-12). Antes de alguém querer a Deus ou decidir por Deus, ele precisa ganhar vida, ser vivificado (Ef 2:5).

Não precisamos de “cura espiritual”; precisamos de ressurreição espiritual. Portanto, a ideia de que o ser humano tem plena capacidade e liberdade natural para escolher a Deus contradiz diretamente o que Paulo está ensinando. Mortos não decidem; mortos não escolhem.

Por causa do pecado, todas as nossas faculdades foram manchadas: mente, vontade, arbítrio, decisões, consciência. Tudo está inclinado para o mal (Gn 6:5).

 

“nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo” (Ef 2:2, RA)

Paulo afirma que, antes da nossa conversão, “andastes outrora, segundo o curso deste mundo”. A ideia de ser escravo do mundo está exatamente contida nessa expressão. Andar segundo o curso deste mundo significa viver conforme os valores e padrões que ele impõe: vestir-se como o meio social determina, trabalhar e buscar apenas aquilo que o sistema valoriza, seguir a multidão em seus pensamentos, hábitos, crenças e estilo de vida.

O mundo dita a identidade, o propósito e a forma de viver das pessoas e quem segue esse curso está, na verdade, em escravidão. Os verdadeiros escravos são aqueles que ainda vivem presos ao mundo, e não o contrário, como muitos pensam ao afirmar que os cristãos seriam escravos das suas crenças. Jesus ensinou que “todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8:34), mostrando que a verdadeira escravidão é espiritual.

O mundo escraviza, e Paulo declara que, antes de Cristo nos libertar, andávamos “segundo as inclinações da nossa carne” e vivíamos debaixo das influências e doutrinas que o próprio mundo nos impunha (Ef 2:3). Somente em Cristo encontramos libertação: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8:32, RA).

 

“segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2:2, RA)

Não éramos apenas escravos do mundo, mas também escravos de Satanás.

A palavra “atua” é a mesma utilizada para descrever a atuação do Espírito Santo nos filhos de Deus (Fp 2:13). Assim, aqueles que não pertencem a Deus têm sua vida influenciada e dirigida pelo inimigo, o “príncipe das potestades do ar”, isto é, o governante das regiões espirituais malignas (Ef 6:12).

Não existe neutralidade.

Ou alguém é servo de Deus, ou é servo de Satanás (Jo 8:44).

Até recebermos vida em Cristo, o príncipe dos poderes espirituais atuava sobre nós.

 

“filhos da desobediência” (Ef 2:2, RA)

Somos chamados assim porque herdamos a natureza caída do primeiro casal, Adão e Eva, que desobedeceu a Deus (Rm 5:12).

Não nascemos filhos de Deus, mas descendentes de um par pecador.

Por isso, cada geração nasce inclinada ao mal, desobediente às ordens de Deus.

 

“segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (Ef 2:3, RA)

Antes de Cristo, éramos escravos da carne, dominados pela nossa natureza pecaminosa.

A carne sempre busca satisfazer seus próprios desejos: comer, dormir, beber, sexo, conforto, prazer. Muitos desses desejos são legítimos, mas quando se tornam o centro da vida, transformam-se em ídolos (Cl 3:5).

Em filosofia, isso se chama hedonismo, a busca constante do prazer.

Vivemos em uma sociedade hedonista, consumista, individualista e materialista, que só pensa em prosperidade e satisfação pessoal.

Deus pode nos abençoar, mas isso não significa que Ele sempre fará isso da maneira que esperamos. Hebreus 11 mostra uma longa lista de homens e mulheres que viveram pela fé, como Abel, Noé, Abraão, Sara, Moisés e tantos outros, e que, mesmo aprovados por Deus, enfrentaram privações, perseguições e até a morte sem receberem, nesta vida, o cumprimento das promessas (Hb 11:35–39). Basta lembrar também de João Batista, considerado por Jesus o maior entre os nascidos de mulher (Mt 11:11), mas que teve um fim de vida marcado pelo sofrimento e pelo martírio. Assim, muitos servos fiéis jamais desfrutaram de prosperidade segundo os padrões humanos, embora fossem profundamente amados pelo Senhor.

 

“e éramos, por natureza, filhos da ira” (Ef 2:3, RA)

Paulo agora utiliza uma expressão ainda mais forte. Antes éramos “filhos da desobediência”; agora, “filhos da ira”.

Por causa de tudo o que foi exposto, pecado, escravidão do mundo, do diabo e da carne, estávamos debaixo da ira de Deus (Jo 3:36).

Não se engane: Deus, neste momento, está contendo sua ira (Rm 2:4-5). Sua paciência não significa aprovação ao pecado, mas apenas que Ele está adiando o juízo. A ira já está preparada e reservada para o dia determinado, ainda que, por enquanto, o pecador caminhe tranquilamente pela vida. Nada de raios caindo do céu, nem da mão de Deus esmagando o ímpio, nem da terra se abrindo para engoli-lo. A ausência imediata de punição não é sinal de tolerância divina, mas de longanimidade, uma oportunidade para arrependimento (2Pe 3:9).

Mas a sua ira está preparada e será plenamente derramada no dia determinado por Ele (Ap 6:16-17).

A ideia de um Deus que “passa a mão na cabeça dos ímpios” é falsa. Deus odeia o pecado, e todos os que permanecerem debaixo de sua ira sofrerão a condenação eterna.

 

A condição da humanidade

Esta é a condição natural de toda a humanidade:

– pecadores,

– mortos em delitos,

– filhos da desobediência,

– escravos do mundo,

– escravos da carne,

– e filhos da ira.

Se alguém perguntar:

“O que preciso fazer para ir ao inferno?”

A resposta é:

Nada. Já estamos a caminho.

Se a mensagem da Bíblia terminasse aqui, só restaria fazer o que Paulo menciona em outro texto:

“comamos e bebamos porque amanhã morreremos” (1Co 15:32, RA).

MAS, e essa é a virada gloriosa da mensagem, o verso 4 inicia com a palavra que muda tudo:

“mas Deus…”

A partir daqui, Paulo revela a esperança que dá sentido ao evangelho.

4 ¶ Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou,

Mas Deus

Diante daquele cenário terrível em que Paulo descreve o estado do homem, morto em pecados, escravo do mundo, da carne e do diabo, e debaixo da ira de Deus, surge uma luz.

A palavra mas, ou “contudo”, ou “porém”, introduz a intervenção divina.

Deus interveio.

Não você, não eu, não qualquer pessoa.

Deus tomou a iniciativa.

Não houve cooperação alguma da nossa parte. Como poderíamos cooperar com Deus na salvação estando mortos (Ef 2:1)? Como poderíamos colaborar sendo escravos (Rm 6:17)?

Por isso Paulo diz: mas Deus. Ele entra na história e faz aquilo que jamais poderíamos fazer.

 

Rico em misericórdia

Paulo afirma que Deus não é apenas misericordioso, mas rico em misericórdia.

Uma boa ilustração, contada pelo rev. Augustus Nicodemus, descreve um pequeno rato que estava destruindo seus alimentos e até mesmo roendo seus livros. Depois de muito tempo tentando capturar o animal, ele finalmente conseguiu prendê-lo pela pata traseira em uma ratoeira pequena. Mas quando ergueu a ratoeira à altura dos olhos, o ratinho olhou diretamente para ele, e naquele instante, movido de compaixão, decidiu soltá-lo.

Isso é misericórdia: quando temos razão suficiente para condenar, mas ainda assim decidimos perdoar e libertar.

Deus, sendo rico em misericórdia, possui toda razão para condenar toda a humanidade (Rm 3:23). Mas, em vez disso, Ele nos perdoou e decidiu agir em nosso favor (Tt 3:5).

 

A partir dessa rica misericórdia, Deus age em nós de três maneiras

Paulo descreve três ações poderosas que Deus realiza em nós por meio da graça:

1- Deus nos deu vida

“5 e, estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, pela graça sois salvos.” (Ef 2:5, RA)

Aqui entra aquele “mas Deus”.

Mesmo mortos, Deus nos deu vida.

Não nos ressuscitamos a nós mesmos. Não fomos despertados porque “queremos” despertar. Isso acontece porque Deus teve misericórdia e decidiu nos vivificar. O poder de regeneração não parte de nós, mas de Deus, operando por meio de Cristo (Jo 6:44; Cl 2:13).

Pela graça sois salvos

Paulo já antecipa seu argumento: não há mérito humano.

A salvação é totalmente pela graça. Nada vem de nós. Tudo vem dEle (Ef 2:8–9).

2 - Deus nos ressuscitou

“6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou...” (Ef 2:6a, RA)

Antes escravos do pecado, agora somos ressuscitados com Cristo para uma nova vida (Rm 6:4).

Já não somos os mesmos. A antiga condição morreu, e uma nova realidade começou.

3 - Deus nos fez assentar nos lugares celestiais

“... e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2:6b, RA)

Agora não somos mais filhos da desobediência nem filhos da ira (Ef 2:2–3). Somos adotados por Deus (Ef 1:5).

Mais do que isso, Ele nos fez assentar com Cristo nos lugares celestiais, uma posição de honra, comunhão e segurança espiritual.

Cristo está assentado à direita de Deus (Ef 1:20), e nós, unidos a Ele, participamos dessa realidade.

Deus reverte totalmente aquele quadro terrível do início do capítulo e nos coloca ao lado de Cristo por Sua graça, amor e misericórdia.

Não depende de nós.

Não merecemos.

Depende inteiramente dEle.

 

Por que Deus fez isso?

Paulo responde:

“7 para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus.” (Ef 2:7, RA)

Deus faz tudo isso para a Sua glória (Ef 1:6).

As grandes perguntas como “por que o Éden?”, “por que a árvore do conhecimento?”, “por que a redenção?”, encontram a mesma resposta:

para mostrar, ao longo das eras, a riqueza da Sua graça.

Fomos criados com livre arbítrio, mas o perdemos ao desobedecer no paraíso (Rm 5:12). E nos séculos vindouros, ao olharmos para trás, glorificaremos Deus pela misericórdia e graça que Ele derramou sobre nós em Cristo. Nada do que fazemos nos dá motivo para glória própria. Há milhares de pessoas, em todos os tempos e lugares, com mais capacidades do que nós em qualquer área. Não podemos nos exaltar em nada. Mas Deus, o único Deus, Criador de todas as coisas, sim, Ele pode ser exaltado. E tudo que Ele fez é para o louvor da Sua glória (Ef 1:12).

8  Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9  não de obras, para que ninguém se glorie.

Paulo encerra essa seção apresentando três conclusões fundamentais:

1. Somos salvos pela graça, mediante a fé

A salvação não é alcançada por méritos, esforços ou obras humanas. Ela é inteiramente pela graça de Deus, recebida mediante a fé. Nada em nós é capaz de gerar vida espiritual. A fé pela qual cremos não nasce de nossa própria capacidade; ela é resultado da ação de Deus em nós.

2. “Não vem de vós”: até mesmo a fé é dom de Deus

Paulo deixa isso explícito: “e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Efésios 2:8). Isso inclui a fé. Não nasce do homem morto em seus delitos (Efésios 2:1); nasce da graça regeneradora.

Uma ilustração pode ajudar: imagine milhares andando por uma rua. Há uma porta estreita, e sobre ela está escrito:

“Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos” (Mateus 11:28 RA).

A maioria passa e nem enxerga. Mas um deles lê, sente-se chamado e entra. Ao entrar, olha para trás e vê outra frase:

“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (João 6:44 RA).

Do lado de fora parece que a decisão foi nossa; do lado de dentro entendemos que tudo foi Deus quem fez.

3. Somos salvos para boas obras

10 “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” (Efésios 2:10 RA)

Paulo afirma que não somos salvos para permanecer na inércia espiritual. Deus nos recriou em Cristo para que vivêssemos em boas obras.

E mais: até essas obras Deus já preparou de antemão. Ou seja, não precisamos inventar caminhos próprios; apenas andar naquilo que Ele já planejou.

 

Conclusão Geral

1. A salvação é totalmente pela graça.

O maior pecador pode ser salvo, pois a salvação não depende do merecimento humano, mas da misericórdia divina. Ela vem pela fé, a fé que Deus mesmo concede. Se há arrependimento e busca por Deus, isso já é evidência da obra da graça em ação (Filipenses 2:13, Romanos 3:11).

2. A graça não anula nossa responsabilidade.

Embora Deus faça tudo na salvação, Ele nos chama a viver em arrependimento, fé e boas obras. Deus não crê no nosso lugar; nós cremos, movidos pela graça que Ele nos dá.

3. A maior segurança do crente:

Somos salvos pela graça, não por obras. Nada pode mudar isso. Como Jesus disse:

“O que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (João 6:37 RA).

Busque a Deus. Cultive comunhão com Cristo e com os irmãos. Caminhe nas boas obras preparadas por Ele.

A salvação não se apoia em nosso desempenho, mas na graça imutável do Deus que “é rico em misericórdia” (Efésios 2:4).

terça-feira, 25 de novembro de 2025

EFÉSIOS 1:19-23

Tendo compreendido a profundidade da oração de Paulo, especialmente seu pedido para que Deus iluminasse os olhos do coração dos crentes, avançamos agora para o ponto em que o apóstolo revela como esse poder divino se manifesta de forma suprema na obra de Cristo. É justamente nessa transição que entramos nos versículos 19 a 23, onde Paulo descreve a grandeza incomparável do poder de Deus e a exaltação de Jesus acima de todas as coisas.

A partir daqui, veremos de maneira mais detalhada a natureza desse poder que Paulo pede que Deus conceda aos crentes, um poder que não apenas salva, mas também sustenta, transforma e glorifica.

“19  e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; 20  o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais,

3. A suprema grandeza do seu poder para com os que creem

Esse poder é o mesmo poder que Deus exerceu em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos (Ef 1:20).

Deus agiu com poder para realizar o Seu plano. Paulo mostra, logo no início do capítulo 2 de Efésios, o tamanho desse poder ao descrever a nossa antiga condição espiritual:

“Estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Efésios 2:1-3).

Ou seja, antes da ação poderosa de Deus, estávamos completamente perdidos, espiritualmente mortos, escravizados pelo pecado, submissos às paixões carnais e à influência de Satanás. Não havia em nós capacidade ou vontade de buscar a Deus, vivíamos segundo o curso deste mundo, afastados da vida que vem de Deus (Romanos 3:10-12; Efésios 4:18).

Mas é nesse cenário de total miséria espiritual que se manifesta “a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos” (Efésios 1:19). Pois “Deus, sendo rico em misericórdia, e por causa do grande amor com que nos amou, estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, pela graça sois salvos” (Efésios 2:4-5).

Esse é o PODER que Paulo deseja que conheçamos, o poder que vivifica os mortos espirituais, que tira o homem das trevas e o transporta para o reino do Filho do Seu amor (Colossenses 1:13). É o poder que muda a natureza humana, que gera fé onde havia incredulidade, e que sustenta os crentes até o fim.

O fato de crermos, permanecermos firmes e continuarmos sendo transformados é resultado direto da eficácia da força desse poder. É por isso que nossa salvação não depende da nossa força, mas da fidelidade de Deus, que “há de completar a boa obra que começou em nós até o dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1:6).

Nada pode impedir o cumprimento do plano de Deus, e é nesse poder irresistível e eficaz que se baseia nossa segurança eterna.

Nada além do supremo poder de Deus poderia tirar o homem da morte espiritual e torná-lo participante da herança dos santos na luz (Cl 1:12-13).

Esse mesmo poder é o que nos sustenta na fé até o fim (1Pe 1:5). Por isso, cremos na segurança eterna do crente: quem foi chamado e salvo pelo poder de Deus não pode ser perdido, pois é Deus quem preserva o que Ele mesmo regenerou (Rm 8:38-39; Jo 6:37-39).

Esse poder ao qual Paulo se refere está diretamente ligado à salvação. Deus é poderoso para mudar todo o universo que conhecemos, alterar o clima e até deslocar montanhas (Salmos 65:6; Mateus 17:20). No entanto, o apóstolo fala de um poder específico, o poder de Deus para com os que creem, isto é, o poder da salvação.

Tendo compreendido como esse poder atua espiritualmente na vida dos crentes, podemos olhar para o contexto dos efésios e perceber como essa mensagem fazia sentido para eles.

Os efésios eram adoradores da deusa Diana e praticavam magia, feitiçaria e adivinhações. Quando se converteram ao Evangelho, demonstraram publicamente o arrependimento queimando todos os livros e objetos relacionados à idolatria (Atos 19:19). Mas eles poderiam ter se perguntado: “Agora que somos filhos de Deus, como podemos ver o Seu poder? Ainda ficamos doentes, ainda enfrentamos problemas, e agora passamos a ser perseguidos. Onde está, então, a manifestação desse poder?”

Essa é justamente a essência da mensagem que Paulo transmite: o poder de Deus não se manifesta necessariamente em grandes eventos visíveis ou em demonstrações extraordinárias, como milagres e sinais, mas atua principalmente na dimensão espiritual, nas regiões celestiais, e se manifesta em Cristo Jesus. Foi esse poder grandioso que o ressuscitou dentre os mortos e o fez assentar-se à direita de Deus nos lugares celestiais (Efésios 1:20; Filipenses 2:9-11).

Em resumo, o grande poder de Deus se revela:

  • No fato de Deus ter escolhido aqueles que seriam salvos (Efésios 1:4-5);
  • No fato de Cristo ter morrido por esses escolhidos na cruz (Romanos 5:8);
  • No fato de Deus chamar irresistivelmente por meio da pregação da Palavra (Romanos 10:17; João 6:44);
  • Em dar vida àqueles que estavam espiritualmente mortos (Efésios 2:1,5);
  • Em conceder o Espírito Santo para sustentar os crentes até o fim (Efésios 1:13-14; Filipenses 1:6).

É nisso que se manifesta o poder de Deus para conosco: em nos resgatar deste mundo, perdoar os nossos pecados, dar-nos nova vida, nos regenerar, conceder-nos o Espírito Santo e nos preservar para a salvação eterna, a qual está reservada para o povo de Deus (1 Pedro 1:3-5).

E é tão grande esse poder que Paulo tenta explicá-lo utilizando quatro palavras diferentes na língua grega para descrevê-lo, todas presentes em Efésios 1:19:

“E qual a suprema grandeza do seu poder¹ para com os que cremos, segundo a eficácia² da força³ do seu poder⁴” (Efésios 1:19).

Paulo emprega quatro termos gregos distintos para expressar a grandiosidade do poder de Deus:

1.    Poder — do grego dýnamis, de onde vem a palavra dinamite, indicando força ativa, capacidade de realizar algo com eficácia (Atos 1:8);

2.    Eficácia — do grego enérgeia, de onde vem o termo energia, significando ação operante, atividade eficaz de Deus (Filipenses 3:21);

3.    Força — do grego krátos, que dá origem a palavras como democracia (“poder do povo”), e expressa domínio, autoridade e soberania (1 Pedro 5:11);

4.    Poder — do grego ischýs, que significa capacidade, vigor, força interior para realizar grandes feitos (Marcos 12:30).

Paulo reúne essas quatro palavras para tentar transmitir a imensidão do poder divino. Esse é o poder que realiza o maior de todos os milagres: a conversão de um pecador a Jesus Cristo (2 Coríntios 5:17).

E esse poder não cessa após a conversão; ele continua operando na vida do crente, sustentando-o e fazendo-o perseverar na fé até o fim (Filipenses 1:6).

É esse poder que nos tira da morte para a vida (Efésios 2:1,5), das trevas para a luz (Colossenses 1:13), e da escravidão do pecado para a liberdade em Cristo Jesus (Romanos 6:22). Somente esse poder pode transformar por completo a vida de qualquer pessoa.

20  o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais,

Paulo, após descrever o grande poder de Deus que age na conversão dos crentes, poder que transforma filhos da perdição em filhos de Deus (Efésios 2:3-5; João 1:12-13), não se contenta em apenas falar sobre essa grandeza, mas mostra onde esse poder é revelado de forma mais clara e perfeita: em Jesus Cristo.

O mesmo poder que Deus exerceu em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o assentar-se à Sua direita nos lugares celestiais, é o poder que opera também em nós, os que cremos (Efésios 1:19-20).

A ressurreição de Jesus é, portanto, a maior demonstração da força divina que também atua na vida dos crentes.

Diferente das outras ressurreições registradas na Bíblia, como a do filho da viúva de Sarepta (1 Reis 17:22), a do homem que tocou os ossos de Eliseu (2 Reis 13:21), a de Lázaro (João 11:43-44) e a da menina Tabita (Atos 9:40-41), a ressurreição de Cristo é única e superior a todas elas.

As demais pessoas ressuscitadas voltaram à vida em corpos corruptíveis e, por isso, morreram novamente.

Mas Cristo ressuscitou em um corpo incorruptível e glorioso (1 Coríntios 15:42-44), imortal e eterno, que vive e reina até hoje (Romanos 6:9).

Foi essa a razão pela qual Paulo cita especificamente a ressurreição de Cristo: ela é a expressão máxima do poder de Deus.

A ressurreição de Jesus inaugura uma nova humanidade. Ele é chamado de “o primogênito dentre os mortos” (Colossenses 1:18; Apocalipse 1:5), pois foi o primeiro a receber um corpo glorificado, modelo do corpo que será dado aos que creem (Filipenses 3:20-21). Assim, Cristo é o princípio de uma nova criação, o novo homem, que vive para sempre diante de Deus.

Depois de ressuscitar Jesus, Deus o exaltou aos céus, e esse acontecimento foi testemunhado pelos discípulos (Atos 1:9-11) e profetizado por Davi, que disse:

“Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” (Salmos 110:1; Atos 2:34-35).

Cristo havia se esvaziado de Sua glória e posição original (Filipenses 2:6-8), assumindo a forma de servo e se humilhando até a morte. Mas Deus o exaltou soberanamente, restituindo-lhe toda a glória e majestade (Filipenses 2:9-11).

Agora, Cristo está assentado à direita de Deus não apenas como Deus, mas também como homem.

Isso significa que há um de nós, um homem perfeito, assentado no trono de Deus, representando toda a humanidade redimida (1 Timóteo 2:5; Hebreus 9:24). Deus demonstrou Seu poder revertendo todo o estado de humilhação que Cristo suportou aqui na Terra e restaurando lhe toda a glória da qual Ele havia se esvaziado para se fazer um de nós.

21  acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro

O terceiro ato do poder de Deus revelado em Jesus Cristo é a exaltação. Cristo é chamado de o segundo Adão (1 Coríntios 15:45-47). O primeiro Adão foi criado por Deus para dominar sobre toda a criação (Gênesis 1:26-28), as falhou, desobedecendo e trazendo a morte sobre toda a humanidade (Romanos 5:12). Porém, Cristo, o segundo Adão, não falhou. Ele obedeceu plenamente ao Pai e, por isso, foi exaltado sobre todo principado, potestade, poder e domínio (Filipenses 2:9-11).

Essa expressão se refere aos poderes e hierarquias espirituais existentes nos céus. Nas regiões celestiais há ordens angelicais, como principados, potestades, tronos e dominações (Colossenses 1:16), e Cristo foi colocado acima de todas elas. Isso significa que todo o reino espiritual, seja de anjos bons ou maus, está subordinado a Cristo Jesus (1 Pedro 3:22). Nenhum poder angelical, celestial ou demoníaco, pode se comparar à autoridade do Filho de Deus.

Essa afirmação de Paulo também confronta diretamente a crença dos efésios. O povo de Éfeso venerava a deusa Diana (ou Ártemis), considerada a rainha dos céus e dos poderes espirituais (Atos 19:27-28). Paulo, porém, declara que não é Diana quem reina sobre os poderes do universo, mas sim Cristo Jesus, Senhor de todas as coisas, acima de qualquer poder, autoridade ou ser celestial.

Mas a exaltação de Cristo não se limita ao mundo espiritual. Paulo acrescenta que Ele está “acima de todo nome que se possa referir” ou seja, acima de qualquer autoridade humana. Títulos de honra e autoridade, como digníssimo, excelentíssimo, vossa majestade ou vossa santidade, não se comparam à majestade e soberania do nome de Jesus, diante do qual todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Ele é o Senhor (Filipenses 2:10-11).

E Paulo completa: “não só no presente século, mas também no vindouro”. Isso quer dizer que Cristo já reina agora, já possui toda autoridade (Mateus 28:18), e continuará reinando eternamente. No futuro, quando Ele vier em glória, Seu reinado será plenamente revelado e visível a todos os povos (Apocalipse 19:11-16).

Assim, o poder de Deus manifestado em Cristo culmina em Sua exaltação suprema, onde Ele reina sobre todas as coisas, no céu e na terra, agora e para sempre.

22  E pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, 23  a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas.”

Deus colocou todas as coisas debaixo da autoridade de Cristo, e por isso Ele é chamado Senhor (Filipenses 2:11).

O Pai entregou todas as coisas nas mãos do Filho (Mateus 28:18; João 3:35). Tudo o que existe, no céu e na terra, submete-se ao governo soberano de Cristo (Colossenses 1:16-17).

Sem Cristo, há um vazio espiritual e existencial, pois Ele é aquele que dá sentido e plenitude a toda a criação. A analogia de “Cristo como a peça que completa o quebra-cabeça” é válida se compreendida à luz das Escrituras: tudo foi criado por Ele e para Ele, e nele tudo subsiste (Colossenses 1:16-17). Portanto, sem Cristo, nada é completo, pois Ele é a plenitude de todas as coisas, e a igreja é o lugar onde essa plenitude se manifesta (Efésios 1:23).

Cristo enche todas as coisas, ou seja, Ele é quem dá propósito, ordem e sentido à criação (Efésios 4:10). E Paulo ora para que os crentes sejam iluminados e compreendam a grandeza da herança gloriosa de Deus nos santos, isto é, a igreja, o povo reunido em Seu nome (Efésios 1:18). Aos olhos humanos, a igreja pode parecer cheia de falhas, divisões e fraquezas; porém, espiritualmente, é o corpo de Cristo, a plenitude de sua presença e manifestação (1 Coríntios 12:27). É nela que podemos ver traços do poder transformador de Deus como reconciliação, amor, perdão, união e boas obras (João 13:35; Efésios 2:10). Mas apenas no mundo vindouro essa transformação será plenamente revelada, quando o processo da santificação for completado (1 João 3:2).

Em Efésios, esta é a primeira vez que Paulo usa a palavra “igreja” (Efésios 1:23). É nela que Cristo se completa, não no sentido de insuficiência, mas de manifestação: Cristo se expressa plenamente através da igreja, assim como a igreja se realiza em Cristo. Há uma união perfeita e inseparável, Cristo é a cabeça, e a igreja é o corpo (Colossenses 1:18). Ambos são distintos em função, mas um só em natureza e propósito.

 

Lições extraídas do texto:

1.    Mediante visão espiritual, enxergamos o poder de Deus agindo na igreja. A verdadeira percepção do poder divino depende de olhos espiritualmente iluminados (Efésios 1:18).

2.    Paulo não apenas ora, mas também ensina. Ele pede iluminação espiritual, mas também explica o conteúdo dessa iluminação. Assim, o crescimento espiritual ocorre não só através da oração, mas também pelo estudo da Palavra revelada (2 Timóteo 3:16-17).

3.    Compreender que estamos unidos a Cristo na morte e na ressurreição. Isso nos dá segurança eterna, coragem diante das perseguições e esperança na ressurreição futura (Romanos 6:5-8; Colossenses 3:1-3).

4.    Cristo intercede por nós. Ele, como homem glorificado, está à direita de Deus intercedendo por nós (Romanos 8:34; Hebreus 7:25).

5.    Cristo está sobre todas as coisas, inclusive nossos inimigos. Ele reina soberanamente sobre todos os poderes e circunstâncias (Efésios 1:22).

6.    Devemos valorizar a igreja. A igreja é o corpo de Cristo, o lugar onde Cristo vive e se manifesta (1 Coríntios 12:27; Efésios 4:15-16). Por isso, devemos amar, servir e nos envolver com ela, pois quem ama Cristo, ama também o Seu corpo.

Aplicações práticas

  • Nossa alegria deve estar em Cristo Jesus, e não em coisas materiais, conquistas ou vitórias passageiras (Filipenses 4:4).
  • Se alguém se sente inseguro quanto à sua salvação ou eleição, deve ir humildemente até Deus e pedir que Ele ilumine os olhos do seu coração (Efésios 1:18), para compreender a grandeza do Seu poder e graça.
  • Se alguém está vacilando na fé, deve olhar para Jesus, e não para o mundo (Hebreus 12:2).
  • Assim como Pedro afundou ao tirar os olhos de Cristo (Mateus 14:30), também nós tropeçamos quando deixamos de olhar para o nosso Salvador.