segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

EFÉSIOS 2:1-10

No primeiro capítulo de Efésios, Paulo descreve o plano de Deus, estabelecido desde a fundação do mundo, para eleger o seu povo (Ef 1:4). Também lembramos a razão pela qual Paulo escreve essa carta: a igreja de Éfeso havia dado um bom testemunho, e Paulo ficou sabendo disso; porém, ele também tomou conhecimento de que os irmãos estavam desanimados e aflitos por causa de sua prisão, como o próprio apóstolo reconhece mais adiante (Ef 3:1; Ef 3:13). Isso causou abatimento entre os crentes que viviam sob perseguição dos judeus. Paulo fora preso por pregar aos gentios, o que provocou oposição dos seus próprios conterrâneos (At 22:21-22).

Ainda assim, Paulo mostra desde o início da carta que, apesar das circunstâncias parecerem desfavoráveis, há um plano divino em ação. Nada surpreende a Deus, nem O faz recorrer a um “plano B”. Desde a eternidade, Deus escolheu um povo, predestinou esse povo, enviou Jesus Cristo para resgatá-lo, e enviou o Espírito Santo para selá-lo e cuidar dele (Ef 1:4-5; Ef 1:7; Ef 1:13-14). Nada foge ao controle de Deus.

A prisão de Paulo, que aos olhos humanos parecia ser o fim do avanço daquela igreja, na verdade, foi um meio que Deus permitiu para que o apóstolo alcançasse muito mais pessoas do que alcançaria se estivesse livre. Milhares ao longo dos séculos foram convertidos por meio das cartas que Paulo escreveu enquanto estava preso (Fp 1:12-14). Isso também nos faz refletir: muitas situações do passado que nos entristeceram tornaram-se, com o tempo, motivos de louvor. Aquilo que antes não compreendíamos, hoje reconhecemos que foi o melhor. E, se ainda não conseguimos entender determinado acontecimento, é preciso paciência e fé: no tempo certo, Deus pode nos mostrar como nada escapa à Sua vontade. Descanse nele, não se atormente pelo passado. Siga em frente, confiando que Deus trará consolo e a certeza de que tudo está sob o Seu controle (Rm 8:28).

Assim, após falar sobre a eleição e a predestinação do povo escolhido, e depois de orar para que os olhos do coração dos irmãos fossem iluminados para conhecerem a Deus profundamente e não de maneira superficial (Ef 1:17-18), Paulo inicia o capítulo 2 apresentando o tema da graça.

“1 ¶ Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2  nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3  entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.

Antes de anunciar a boa notícia da graça, Paulo apresenta a má notícia. Isso é essencial, porque o evangelho, que significa boa nova, só é “boa notícia” porque havia uma má notícia a nosso respeito. Funciona como em situações do dia a dia: levamos o carro ao mecânico temendo um problema grave, mas ele nos dá a boa notícia de que é algo simples. Ou alguém que enfrentou um câncer, fez exames, e o médico anunciou a cura. A boa notícia só existe porque houve antes uma má notícia.

Assim é o evangelho: só há graça porque estávamos perdidos; só há vida porque estávamos mortos (Rm 6:23). E Paulo deixa clara essa condição: estávamos em um estado do qual jamais poderíamos sair por nós mesmos.

Paulo não inicia sua explicação bajulando as pessoas. Ele não diz o quanto elas são fortes, corajosas, bonitas, capazes ou cheias de potencial, como muitas pregações modernas fazem. Assim como todos os apóstolos da igreja primitiva, ele começa falando da graça expondo a má notícia:

éramos pecadores, mortos em nossos pecados, filhos da desobediência, escravos da carne e, por natureza, filhos da ira (Ef 2:3, RA).

Não nascemos filhos de Deus; nascemos filhos da ira, e posteriormente somos adotados por Deus mediante Cristo (Ef 1:5).

 

“estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2:1, RA)

Imagine um funeral: um pai de família está sendo velado, deitado no caixão. Amigos tocam seu rosto, filhos o abraçam, as lágrimas da esposa caem sobre ele, mas ele não sente nada. Não ouve, não vê, não responde, porque está morto.

Paulo usa essa linguagem para mostrar a condição espiritual do homem sem Deus:

morto em seus pecados (Cl 2:13, RA).

O morto não sente Deus, não escuta Deus, não enxerga Deus, não busca Deus (Rm 3:10-12). Antes de alguém querer a Deus ou decidir por Deus, ele precisa ganhar vida, ser vivificado (Ef 2:5).

Não precisamos de “cura espiritual”; precisamos de ressurreição espiritual. Portanto, a ideia de que o ser humano tem plena capacidade e liberdade natural para escolher a Deus contradiz diretamente o que Paulo está ensinando. Mortos não decidem; mortos não escolhem.

Por causa do pecado, todas as nossas faculdades foram manchadas: mente, vontade, arbítrio, decisões, consciência. Tudo está inclinado para o mal (Gn 6:5).

 

“nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo” (Ef 2:2, RA)

Paulo afirma que, antes da nossa conversão, “andastes outrora, segundo o curso deste mundo”. A ideia de ser escravo do mundo está exatamente contida nessa expressão. Andar segundo o curso deste mundo significa viver conforme os valores e padrões que ele impõe: vestir-se como o meio social determina, trabalhar e buscar apenas aquilo que o sistema valoriza, seguir a multidão em seus pensamentos, hábitos, crenças e estilo de vida.

O mundo dita a identidade, o propósito e a forma de viver das pessoas e quem segue esse curso está, na verdade, em escravidão. Os verdadeiros escravos são aqueles que ainda vivem presos ao mundo, e não o contrário, como muitos pensam ao afirmar que os cristãos seriam escravos das suas crenças. Jesus ensinou que “todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8:34), mostrando que a verdadeira escravidão é espiritual.

O mundo escraviza, e Paulo declara que, antes de Cristo nos libertar, andávamos “segundo as inclinações da nossa carne” e vivíamos debaixo das influências e doutrinas que o próprio mundo nos impunha (Ef 2:3). Somente em Cristo encontramos libertação: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8:32, RA).

 

“segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2:2, RA)

Não éramos apenas escravos do mundo, mas também escravos de Satanás.

A palavra “atua” é a mesma utilizada para descrever a atuação do Espírito Santo nos filhos de Deus (Fp 2:13). Assim, aqueles que não pertencem a Deus têm sua vida influenciada e dirigida pelo inimigo, o “príncipe das potestades do ar”, isto é, o governante das regiões espirituais malignas (Ef 6:12).

Não existe neutralidade.

Ou alguém é servo de Deus, ou é servo de Satanás (Jo 8:44).

Até recebermos vida em Cristo, o príncipe dos poderes espirituais atuava sobre nós.

 

“filhos da desobediência” (Ef 2:2, RA)

Somos chamados assim porque herdamos a natureza caída do primeiro casal, Adão e Eva, que desobedeceu a Deus (Rm 5:12).

Não nascemos filhos de Deus, mas descendentes de um par pecador.

Por isso, cada geração nasce inclinada ao mal, desobediente às ordens de Deus.

 

“segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (Ef 2:3, RA)

Antes de Cristo, éramos escravos da carne, dominados pela nossa natureza pecaminosa.

A carne sempre busca satisfazer seus próprios desejos: comer, dormir, beber, sexo, conforto, prazer. Muitos desses desejos são legítimos, mas quando se tornam o centro da vida, transformam-se em ídolos (Cl 3:5).

Em filosofia, isso se chama hedonismo, a busca constante do prazer.

Vivemos em uma sociedade hedonista, consumista, individualista e materialista, que só pensa em prosperidade e satisfação pessoal.

Deus pode nos abençoar, mas isso não significa que Ele sempre fará isso da maneira que esperamos. Hebreus 11 mostra uma longa lista de homens e mulheres que viveram pela fé, como Abel, Noé, Abraão, Sara, Moisés e tantos outros, e que, mesmo aprovados por Deus, enfrentaram privações, perseguições e até a morte sem receberem, nesta vida, o cumprimento das promessas (Hb 11:35–39). Basta lembrar também de João Batista, considerado por Jesus o maior entre os nascidos de mulher (Mt 11:11), mas que teve um fim de vida marcado pelo sofrimento e pelo martírio. Assim, muitos servos fiéis jamais desfrutaram de prosperidade segundo os padrões humanos, embora fossem profundamente amados pelo Senhor.

 

“e éramos, por natureza, filhos da ira” (Ef 2:3, RA)

Paulo agora utiliza uma expressão ainda mais forte. Antes éramos “filhos da desobediência”; agora, “filhos da ira”.

Por causa de tudo o que foi exposto, pecado, escravidão do mundo, do diabo e da carne, estávamos debaixo da ira de Deus (Jo 3:36).

Não se engane: Deus, neste momento, está contendo sua ira (Rm 2:4-5). Sua paciência não significa aprovação ao pecado, mas apenas que Ele está adiando o juízo. A ira já está preparada e reservada para o dia determinado, ainda que, por enquanto, o pecador caminhe tranquilamente pela vida. Nada de raios caindo do céu, nem da mão de Deus esmagando o ímpio, nem da terra se abrindo para engoli-lo. A ausência imediata de punição não é sinal de tolerância divina, mas de longanimidade, uma oportunidade para arrependimento (2Pe 3:9).

Mas a sua ira está preparada e será plenamente derramada no dia determinado por Ele (Ap 6:16-17).

A ideia de um Deus que “passa a mão na cabeça dos ímpios” é falsa. Deus odeia o pecado, e todos os que permanecerem debaixo de sua ira sofrerão a condenação eterna.

 

A condição da humanidade

Esta é a condição natural de toda a humanidade:

– pecadores,

– mortos em delitos,

– filhos da desobediência,

– escravos do mundo,

– escravos da carne,

– e filhos da ira.

Se alguém perguntar:

“O que preciso fazer para ir ao inferno?”

A resposta é:

Nada. Já estamos a caminho.

Se a mensagem da Bíblia terminasse aqui, só restaria fazer o que Paulo menciona em outro texto:

“comamos e bebamos porque amanhã morreremos” (1Co 15:32, RA).

MAS, e essa é a virada gloriosa da mensagem, o verso 4 inicia com a palavra que muda tudo:

“mas Deus…”

A partir daqui, Paulo revela a esperança que dá sentido ao evangelho.

4 ¶ Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou,

Mas Deus

Diante daquele cenário terrível em que Paulo descreve o estado do homem, morto em pecados, escravo do mundo, da carne e do diabo, e debaixo da ira de Deus, surge uma luz.

A palavra mas, ou “contudo”, ou “porém”, introduz a intervenção divina.

Deus interveio.

Não você, não eu, não qualquer pessoa.

Deus tomou a iniciativa.

Não houve cooperação alguma da nossa parte. Como poderíamos cooperar com Deus na salvação estando mortos (Ef 2:1)? Como poderíamos colaborar sendo escravos (Rm 6:17)?

Por isso Paulo diz: mas Deus. Ele entra na história e faz aquilo que jamais poderíamos fazer.

 

Rico em misericórdia

Paulo afirma que Deus não é apenas misericordioso, mas rico em misericórdia.

Uma boa ilustração, contada pelo rev. Augustus Nicodemus, descreve um pequeno rato que estava destruindo seus alimentos e até mesmo roendo seus livros. Depois de muito tempo tentando capturar o animal, ele finalmente conseguiu prendê-lo pela pata traseira em uma ratoeira pequena. Mas quando ergueu a ratoeira à altura dos olhos, o ratinho olhou diretamente para ele, e naquele instante, movido de compaixão, decidiu soltá-lo.

Isso é misericórdia: quando temos razão suficiente para condenar, mas ainda assim decidimos perdoar e libertar.

Deus, sendo rico em misericórdia, possui toda razão para condenar toda a humanidade (Rm 3:23). Mas, em vez disso, Ele nos perdoou e decidiu agir em nosso favor (Tt 3:5).

 

A partir dessa rica misericórdia, Deus age em nós de três maneiras

Paulo descreve três ações poderosas que Deus realiza em nós por meio da graça:

1- Deus nos deu vida

“5 e, estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, pela graça sois salvos.” (Ef 2:5, RA)

Aqui entra aquele “mas Deus”.

Mesmo mortos, Deus nos deu vida.

Não nos ressuscitamos a nós mesmos. Não fomos despertados porque “queremos” despertar. Isso acontece porque Deus teve misericórdia e decidiu nos vivificar. O poder de regeneração não parte de nós, mas de Deus, operando por meio de Cristo (Jo 6:44; Cl 2:13).

Pela graça sois salvos

Paulo já antecipa seu argumento: não há mérito humano.

A salvação é totalmente pela graça. Nada vem de nós. Tudo vem dEle (Ef 2:8–9).

2 - Deus nos ressuscitou

“6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou...” (Ef 2:6a, RA)

Antes escravos do pecado, agora somos ressuscitados com Cristo para uma nova vida (Rm 6:4).

Já não somos os mesmos. A antiga condição morreu, e uma nova realidade começou.

3 - Deus nos fez assentar nos lugares celestiais

“... e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2:6b, RA)

Agora não somos mais filhos da desobediência nem filhos da ira (Ef 2:2–3). Somos adotados por Deus (Ef 1:5).

Mais do que isso, Ele nos fez assentar com Cristo nos lugares celestiais, uma posição de honra, comunhão e segurança espiritual.

Cristo está assentado à direita de Deus (Ef 1:20), e nós, unidos a Ele, participamos dessa realidade.

Deus reverte totalmente aquele quadro terrível do início do capítulo e nos coloca ao lado de Cristo por Sua graça, amor e misericórdia.

Não depende de nós.

Não merecemos.

Depende inteiramente dEle.

 

Por que Deus fez isso?

Paulo responde:

“7 para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus.” (Ef 2:7, RA)

Deus faz tudo isso para a Sua glória (Ef 1:6).

As grandes perguntas como “por que o Éden?”, “por que a árvore do conhecimento?”, “por que a redenção?”, encontram a mesma resposta:

para mostrar, ao longo das eras, a riqueza da Sua graça.

Fomos criados com livre arbítrio, mas o perdemos ao desobedecer no paraíso (Rm 5:12). E nos séculos vindouros, ao olharmos para trás, glorificaremos Deus pela misericórdia e graça que Ele derramou sobre nós em Cristo. Nada do que fazemos nos dá motivo para glória própria. Há milhares de pessoas, em todos os tempos e lugares, com mais capacidades do que nós em qualquer área. Não podemos nos exaltar em nada. Mas Deus, o único Deus, Criador de todas as coisas, sim, Ele pode ser exaltado. E tudo que Ele fez é para o louvor da Sua glória (Ef 1:12).

8  Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9  não de obras, para que ninguém se glorie.

Paulo encerra essa seção apresentando três conclusões fundamentais:

1. Somos salvos pela graça, mediante a fé

A salvação não é alcançada por méritos, esforços ou obras humanas. Ela é inteiramente pela graça de Deus, recebida mediante a fé. Nada em nós é capaz de gerar vida espiritual. A fé pela qual cremos não nasce de nossa própria capacidade; ela é resultado da ação de Deus em nós.

2. “Não vem de vós”: até mesmo a fé é dom de Deus

Paulo deixa isso explícito: “e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Efésios 2:8). Isso inclui a fé. Não nasce do homem morto em seus delitos (Efésios 2:1); nasce da graça regeneradora.

Uma ilustração pode ajudar: imagine milhares andando por uma rua. Há uma porta estreita, e sobre ela está escrito:

“Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos” (Mateus 11:28 RA).

A maioria passa e nem enxerga. Mas um deles lê, sente-se chamado e entra. Ao entrar, olha para trás e vê outra frase:

“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (João 6:44 RA).

Do lado de fora parece que a decisão foi nossa; do lado de dentro entendemos que tudo foi Deus quem fez.

3. Somos salvos para boas obras

10 “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.” (Efésios 2:10 RA)

Paulo afirma que não somos salvos para permanecer na inércia espiritual. Deus nos recriou em Cristo para que vivêssemos em boas obras.

E mais: até essas obras Deus já preparou de antemão. Ou seja, não precisamos inventar caminhos próprios; apenas andar naquilo que Ele já planejou.

 

Conclusão Geral

1. A salvação é totalmente pela graça.

O maior pecador pode ser salvo, pois a salvação não depende do merecimento humano, mas da misericórdia divina. Ela vem pela fé, a fé que Deus mesmo concede. Se há arrependimento e busca por Deus, isso já é evidência da obra da graça em ação (Filipenses 2:13, Romanos 3:11).

2. A graça não anula nossa responsabilidade.

Embora Deus faça tudo na salvação, Ele nos chama a viver em arrependimento, fé e boas obras. Deus não crê no nosso lugar; nós cremos, movidos pela graça que Ele nos dá.

3. A maior segurança do crente:

Somos salvos pela graça, não por obras. Nada pode mudar isso. Como Jesus disse:

“O que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (João 6:37 RA).

Busque a Deus. Cultive comunhão com Cristo e com os irmãos. Caminhe nas boas obras preparadas por Ele.

A salvação não se apoia em nosso desempenho, mas na graça imutável do Deus que “é rico em misericórdia” (Efésios 2:4).